sábado, 22 de novembro de 2008

Reportagem do Fantástico dia 16/11/2008: Homem se beneficia da Lei Maria da Penha - Lei foi criada apenas para proteger mulheres.

“Basta contar até 15 e pronto: já passaram 15 segundos. Parece ser um lapso de tempo tão insignificante, durante o qual nada acontece, tanto que o período de 24 horas contém 5.760 vezes a fração de 15 segundos. (...) isto é, a cada dia, 5.760 mulheres são espancadas no Brasil" (Maria Berenice Dias, Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões. Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do RS Vice-Presidente Nacional do IBDFAM.)


A discussão sobre a constitucionalidade ou não da lei n.11 340/2006, conhecida como a lei Maria da Penha, é bastante recorrente no meio jurídico. Principalmente nas aulas de direito constitucional quando ouvimos os professores questionarem acerca desse tema. Mas, afinal, de acordo com o art.5º da CF não seríamos todos iguais perante as leis? E a lei Maria da Penha, logo no seu art.1º, não dá realmente preferência à mulher? Diferenciado-a do homem? Privilegiando-a?


Antes de qualquer coisa, é válido tomar alguns dados como base:


- 25% das mulheres são vítimas de violência doméstica;
- 33% da população feminina admite já ter sofrido algum tipo de violência doméstica;
- Em 70% das ocorrências de violência doméstica contra a mulher, o agressor é marido ou companheiro
- Os maridos são responsáveis por mais de 50% dos assassinatos de mulheres e, em 80% dos casos, o assassino alega defesa da honra
- 1,9% do PIB brasileiro é consumido no tratamento de vítimas da violência doméstica;
- 80% das mulheres que residem nas capitais e 63% das que residem no interior reagem às agressões que sofrem;
- 11% das mulheres foram vítimas de violência durante a gravidez e 38% delas receberam socos e pontapés na barriga;
- São registradas por ano 300 mil denúncias de violência doméstica



A lei Maria da Penha foi criada em 2006 e desde então, de acordo com estatísticas da Delegacia de Defesa da Mulher, as denúncias triplicaram. Só no ano de 2006, por exemplo, foram registrados 800 casos de violência doméstica contra a mulher, número que supera a média anual. Institutos que trabalham e atuam em defesa da mulher afirmaram que após a formulação da lei, as mulheres se sentiram mais protegidas para denunciarem, o sentimento de impunidade que antes tinham com a lei n.9.099/95, que tratava da violência doméstica, vem diminuindo. Ou seja, quando a violência doméstica passa a ser tratada de uma maneira menos banal, vemos uma sentença como a do juiz do Mato Grosso do Sul. Precisamos nos lembrar que antes da lei n. 11.340/2006, apenas 2% dos agressores eram condenados! A maioria dos processos era extinta ou a condenação consistia em pagamentos de cestas básicas pelo agressor. A dignidade e integridade da mulher eram mensuradas em quantidade de cestas de alimentos!
Entretanto, a interpretação da lei Maria da penha não pode restringir-se a uma discussão meramente legalista. É preciso combater sentenças como essa do juiz do Mato Grosso do Sul, pois são um retrocesso à luta do movimento feminista brasileiro. Precisamos mais ainda lembrar que a lei Maria da Penha é uma ferramenta importante na luta contra a opressão da mulher, na luta da mulher dentro de uma sociedade extremamente machista e patriarcal. É necessário mais do que nunca nos lembrarmos das milhares de mulheres que sofrem simplesmente por serem mulheres, mulheres que diariamente sofrem agressões físicas e psicológicas dos homens e nada podem fazer, principalmente as mulheres das periferias.
A Constituição deixa claro que somos todos iguais perante a lei, entretanto é no sentido de que as normas devem ser elaboradas e aplicadas indistintamente a todos os indivíduos (isonomia formal). Entretanto, precisamos levar em conta a existência dos grupos ditos minoritários ou hipossuficientes, que necessitam de uma proteção especial para que alcancem a igualdade não apenas normativa, mas baseada em idéias de justiça (isonomia material). Aristóteles já colocava na Antiguidade: a verdadeira igualdade almeja tratar os iguais de maneira igual e os desiguais, desigualmente. Assim, o Estado tem por fim a garantia de concretizar essa isonomia material, seja através de leis específicas ou através de políticas públicas. Assim, a lei Maria da Penha não é inconstitucional, é apenas uma medida do Estado Democrático de Direito de tentar inserir essa minoria à igualdade real.
Sendo assim, precisamos não questionar e parar uma aula de direito constitucional para debatermos a constitucionalidade da lei Maria da Penha, precisamos inicialmente questionar por que as milhares de mulheres são tidas como minorias. Por que num estado democrático as grandes maiorias (pobres, negros) são tidos como minorias? Ainda, como podemos ampliar e melhorar as políticas de defesa às mulheres? Principalmente às mulheres pobres e negras da periferia, que tem menos espaços ainda para denuncias ou para auxílios.
Como afirma uma juíza da vara do trabalho da Bahia: inconstitucional é a não aplicação da lei Maria da Penha!

Larissa Zambelli.
Estudante de direito, Militante da LER-QI, do Movimento a Plenos Pulmões e do Núcleo em Defesa dos Direitos Humanos.

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