quarta-feira, 1 de abril de 2009

ENTREVISTAO Centro de Profissionais pelos Direitos Humanos vem ao Brasil para colaborar na luta em defesa do Sintusp e pela readmissão de Brandão


Em fevereiro último, esteve no Brasil Raul Godoy, delegado da gestão operária de Zanon e do Sindicato Ceramista de Neuquén, na Argentina, para participar e apoiar a campanha contra a demissão de Claudionor Brandão, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP) e dirigente da Liga Estratégia Revolucionária (LER-QI). Agora, nos primeiros dias de abril, chega ao Brasil Mariano Pedrero, advogado do Ceprodh (Centro de Profissionais pelos Direitos Humanos) e da gestão operária de Zanon, com a mesma finalidade. Tanto Godoy quanto Mariano são dirigentes do Partido de Trabalhadores pelo Socialismo (PTS), organização irmã da LER-QI na Argentina. A seguir publicamos entrevista realizada com Mariano.
JPO: Está vindo prontamente ao Brasil para colaborar com a campanha pela readmissão de Brandão...
MP: Sim. A demissão de Brandão e o ataque ao SINTUSP são fatos sintomáticos. Em todo o mundo começam a se sentir os efeitos da crise econômica internacional. Demissões e suspensões massivas se somam à negativa em realizar aumentos salariais. Há uma ofensiva das patronais e de seus governos contra a classe trabalhadora. Para manter seus negócios e seus lucros, os capitalistas querem que a crise seja paga por aqueles que não a geraram. Contam, como é tradição, com a cumplicidade e a colaboração dos dirigentes sindicais vendidos. E o Brasil não é a exceção: desde outubro até hoje mais de 200 mil trabalhadores perderam seu emprego só no estado de São Paulo. Mas a classe operária começou a se rebelar em várias regiões do planeta. Desde o velho continente até a Ilha de Martinica vemos greves gerais e mobilizações de jovens e estudantes. Os capitalistas têm faro aguçado e se adiantam. Sabem que não será simples passar seus planos e querem evitar que haja resistência onde há organizações combativas sindicais e dirigentes e ativistas decididos. Por isso, passando por cima de sua própria legalidade, atacam de antemão. Na zona norte da Grande Buenos Aires, onde está a concentração operária mais importante da Argentina, ou na província de Córdoba, onde se concentra o grosso da indústria automotriz, estamos vendo um processo de demissões e perseguições a delegados e ativistas operários. As multas ilegais ao SINTUSP, a demissão de Brandão e a perseguição a outros lutadores do sindicato configuram um claro ataque, que é parte desta ofensiva e se devem a sua história e sua tradição combativa.
JPO: Você disse que os ataques são “ilegais” e que os capitalistas passam por cima de sua “própria legalidade”. O que significa isso?
MP: O Direito, o sistema jurídico, é uma das instituições fundamentais através das quais os capitalistas tentam assegurar e proteger as relações e condições sociais que lhes permitem manter o atual sistema de exploração. Ainda que nem tudo seja coerção, o sistema jurídico não é o produto ou a criação de uma suposta “vontade geral” como pretendem os contratualistas e liberais, mas a expressão da vontade e uma imposição da classe dominante. Agora, no que concerne ao direito trabalhista, à medida que a classe operária foi se organizando e avançando em sua consciência, foi sendo protagonista de enormes lutas que puseram limites relativos à exploração capitalista. As conquistas do movimento operário se refletiram logo em normas jurídicas e leis, em direito positivo. O movimento mundial pelas 8 horas de trabalho é, talvez, um dos exemplos mais conhecidos desse processo. Nos auges do capitalismo, junto com as terríveis condições de trabalho, a greve e a organização sindical estavam não só proibidas como também eram consideradas como crime. Em 1791, a Assembléia Constituinte francesa proibiu os grêmios com a lei Le Chapelier e foi seguida pelo Código Penal napoleônico que sancionava com prisão os trabalhadores que se unissem em defesa de seus direitos. Logo depois da Revolução de 1848 e a Comuna de Paris, foi reconhecido o direito de agremiação na França. Na Inglaterra o processo foi similar: as Combination Acts do fim do século XVIII, que condenavam à reclusão pela coalizão ou pela greve, foram desafiadas pelos operários e, entre outros, o movimento luddista, até que em 1825 a Peel´s Act reconheceu a greve e a organização coletiva. Cada uma destas conquistas teve que ser arrancada da burguesia com enormes lutas que deixaram milhares de mártires no movimento operário. Inclusive foi logo depois do terror que a grande revolução russa lhes provocou que as constituições liberais foram incorporando artigos que reconhecem o exercício da greve, os sindicatos, etc. Esta tampouco foi uma concessão alegre dos capitalistas. A força demonstrada pelo proletariado nas revoluções mexicana e alemã forçou a incorporação deste tipo de clausula, pela primeira vez, na Constituição do México de 1917 e na da República de Weimar de 1919. Em poucas palavras, sem alterar o núcleo essencial que lhes garante a propriedade privada dos meios de produção e a continuidade da exploração da maioria assalariada, os capitalistas modificam o sistema jurídico incorporando normas favoráveis à classe operária só quando uma determinada relação de forças os obriga a isso. Agora, é necessário fazer duas ressalvas. A primeira é que, a quem considera que pela via desta evolução o capitalismo pode humanizar-se passo a passo, o processo não é linear ou evolutivo. Cada vez que os capitalistas recompõem uma relação de forças favorável, eles avançam sobre o conquistado. A ofensiva neoliberal e a fragmentação que provocou na classe operária levaram, por exemplo, ao surgimento de formas “legais” de superexploração que instituíram a precarização ou o avanço da legislação antisindical, como nos EUA depois da derrota da greve dos controladores de vôo em 1982. A segunda ressalva é que, no dia a dia, no cotidiano do despotismo que se vive porta adentro das fábricas e dos locais de trabalho, os “direitos trabalhistas” são ignorados pelas patronais que atuam na “ilegalidade”, seja para aumentar seus lucros com base na superexploração ou para arremeter contra as organizações operárias que lhes impõem um freio. Neste terreno é onde tem importância o aporte que nós advogados que estamos comprometidos com a luta e o destino da classe trabalhadora podemos fazer.
JPO: Vocês no Centro de Profissionais pelos Direitos Humanos (CeProDH) utilizam seus conhecimentos como suporte para as lutas dos trabalhadores e dos setores populares.
MP: Isso. O CeProDH é um organismo independente do estado, do governo, das empresas e das centrais sindicais. Muitos de nós somos advogados trabalhistas que assessoramos comissões internas, delegados e grupos de trabalhadores que lutam e se organizam. Somos assessores dos trabalhadores de Zanon, de sua gestão operária e do Sindicato Ceramista de Neuquén, o único sindicato industrial na Argentina que foi recuperado da burocracia peronista por um grupo de trabalhadores classistas e de esquerda. Nossa prática parte de considerar que o fundamental passa pela luta de classes, a força e a organização dos trabalhadores. Propomos as estratégias jurídicas partindo de respeitar as decisões das assembléias operárias, antepondo a legitimidade ao princípio de legalidade e buscando desenvolver a mobilização e as campanhas políticas. Evitamos despertar falsas ilusões sobre “a justiça” entre os trabalhadores, explicando que a mesma é de classe, ao mesmo tempo que nos opomos a uma visão infantil na qual muitos caem ao depreciar as táticas jurídicas e se limitam a dizer que “o estado é burguês”. Partindo desses princípios, e no estritamente técnico, buscamos os mecanismos para utilizar as contradições que se criam entre o atuar das patronais e das normas legais ou das que se derivam do próprio sistema jurídico burguês. E quando elas não existem ou não as encontramos, recorremos à criatividade. É um terreno desfavorável para a batalha porque, como lhes dizia no início, as leis são feitas para defender este sistema de exploração e os interesses dos capitalistas. Mas ninguém disse que se rebelar contra o capitalismo é uma questão simples, e a experiência demonstra que nosso aporte pode ser de grande utilidade. Alguns desde uma visão classista e outros desde uma posição revolucionária, como em meu caso, impulsionamos o CeProDH com esta perspectiva. O mundo que conhecemos nos últimos anos está mudando drástica e velozmente. Os tempos que estão por vir necessitarão do esforço e da vontade de novas gerações de advogados de se ligar à classe operária, que sejam um ponto de apoio nos primeiros momentos dos combates.