quinta-feira, 27 de novembro de 2008

NOTA DO NÚCLEO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS EM RELAÇÃO A TRAGÉDIA EM SANTA CATARINA.

Já passa de 100 o número de mortos e quase 100 mil desabrigados em decorrência das fortes chuvas e desabamentos que atingiram o Estado de Santa Catarina. Os moradores da região, principalmente os trabalhadores e pobres, estão sofrendo ainda mais com a falta de alimentos, água potável e medicamentos. Muitos, sem outra opção, estão realizando saques em supermercados e lojas, como aconteceu em Itajaí. O governo do Estado ao invés de colocar toda sua estrutura para auxiliar a população com remédios e alimentos, tem se preocupado mais em reforçar o policiamento e a repressão contra a população faminta que desesperadamente realiza os saques. Segundo notícia veiculada no Jornal Folha de S. Paulo: “A Polícia Civil de Santa Catarina prendeu nesta quarta-feira 20 pessoas suspeitas de saquearem um supermercado no município de Itajaí, um dos mais atingidos pelos recentes temporais que atingem o Estado”.
O governo Federal prometeu uma ajuda que poderia chegar a 1 bilhão de reais. Esta cifra representa apenas 1% do dinheiro que Lula, seus ministros e o Congresso liberaram há poucos dias para salvar “meia dúzia” de banqueiros falidos. Também devemos lembrar ainda que o valor da ajuda aos moradores da região atingida é irrisório perto dos mais de 400 bilhões (retirado dos tributos que pagamos) que o governo reserva anualmente para o pagamento dos juros e amortizações da dívida externa e interna Essa é matemática do governo: Grandes fortunas para os ricos e migalhas para os milhões de trabalhadores e pobres vítimas de tragédias.
A política repressiva do governador de Santa Catarina contra a população pobre e apatia do governo Federal são atentados claros contra os mais elementares princípios e garantias dos Direitos Humanos.
Nós, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos nos solidarizamos com a população de Santa Catarina e chamamos a todos as organizações de Direitos Humanos, sindicatos e entidades estudantis e operárias para organizar uma campanha de ajuda ao povo catarinense. Devemos também repudiar a política de repressão à população e exigir a imediata libertação de todos os moradores que foram presos.

Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos - 27 de novembro de 2008

Trabalhador francano vive com R$ 34 por dia

Quinta-feira, 27 de novembro de 2008 - Jornal Comércio da Franca

Trabalhador francano vive com R$ 34 por dia
Gina Mardones/Comércio da Franca


COMPRAS - O sapateiro Nelson dos Santos segura sacolas de compras ontem em supermercado de Franca. Somente de carne foram R$ 40Marco Felippeda RedaçãoR$ 34,68 por dia.

Este é o rendimento médio diário de um trabalhador em Franca, segundo dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) de 2007, divulgado nesta semana pelo Ministério do Trabalho. O valor é o quarto maior da região, mas perde do ganho médio do brasileiro (R$ 45,19), do paulista (R$ 53,04), do mineiro (R$ 36,74) e do trabalhador de Ribeirão Preto. Pelo levantamento que tem por base apenas os trabalhadores registrados formalmente, os homens são a maioria dos empregados e recebem, em média, R$ 1,1 mil por mês, enquanto as mulheres têm salário médio de R$ 958,93. A Rais leva em consideração o número de 69.841 trabalhadores com carteira registrada. O menor rendimento do trabalhador francano está na faixa dos 16 a 17 anos. Segundo o MT, os 1.904 jovens trabalhadores nesta idade ganham em média R$ 524,24. Enquanto que o maior, está na faixa etária dos 65 anos ou mais. Eles totalizam 400 pessoas, com renda média de R$ 1.540. Na região, o ganho médio diário de Franca é inferior ao de Batatais, Patrocínio Paulista e o da cidade mineira de Ibiraci (veja quadro nesta página). Se levado ao supermercado, com a quantia de R$ 34,68, um trabalhador quase não consegue comprar dois quilos de coxão mole, um pacote de arroz e dois quilos de feijão. Para o professor pesquisador e coordenador do Ceder (Centro de Estudos do Desenvolvimento Regional) da Unifran (Universidade de Franca), Agnaldo de Souza Barbosa, o valor também é baixo se comparado a outros centros urbanos semelhantes, industriais ou não. A explicação de Barbosa está no fato da maioria dos trabalhadores da cidade estar empregada em micro e pequenas empresas. “O percentual de empregados que depende dessas empresas é muito alto, supera os 70%. E elas (micro e pequenas empresas) não têm condições de pagar grandes salários”. O professor disse ainda que a expansão da quantidade de empresas de crédito e o crescimento no número de jovens que entram mais cedo no mercado de trabalho dão prova do quanto o rendimento do francano é baixo. “Franca tem características de cidade industrial e operária, onde o trabalho da indústria é quase artesanal, manufatureira, por isso também se paga pouco. Com baixo salário, a mulher precisa ajudar nas despesas e o filho começar a trabalhar mais cedo”.Se considerar uma família de quatro pessoas e todas as despesas de uma casa, o que inclui alimentação, moradia, água, energia, telefone, transporte, roupas e calçados, o rendimento se torna irrelevante. “Não dá para vislumbrar outros tipos de necessidades como lazer e educação de qualidade. A pessoa consegue sobreviver, mas com dificuldades”, disse Barbosa.



Sapateiro economiza no combustível



O sapateiro afastado Nelson dos Santos, morador no Parque Vicente Leporace II, esteve ontem num dos supermercados do bairro, na região norte de Franca, para comprar mistura para o restante da semana. Na compra de quatro quilos de carne, gastou R$ 40, valor superior aos R$ 34,68 médios recebidos por dia por um trabalhador francano. Na família do sapateiro, há três adultos e a carne será suficiente para, no máximo, quatro dias.Para ele, com essa quantia diária o sustento de uma casa com quatro pessoas é feito com dificuldades. “Em casa, a renda é um pouco maior e somos somente em três pessoas, ainda assim fico endividado. Se tivesse criança, não sei como seria”, disse. Santos ganha em média R$ 1800.No orçamento de Santos, economizar é palavra de ordem. Viagens de visita a familiares foram cortadas e o carro tem ficado por mais tempo na garagem. “Economizo no combustível. Tento andar o máximo possível a pé. De primeiro, vinha de carro no supermercado, agora deixo o carro na garagem”.Outras ações adotadas pelo sapateiro para administrar o dinheiro foram a anotação de todas as despesas e o fim de compras de necessidades secundárias, como calçados e roupas. “Tudo é controlado. Tento gastar o mínimo possível, ainda assim não dá e algumas contas ficam atrasadas”. Antes, segundo ele, compras em pequena quantidade no supermercado também aconteciam ao menos uma vez por semana, mas recentemente passaram a ser quinzenais.Nas despesas mencionadas por Santos estão as contas com energia, água e telefone, alimentação, transporte e a prestação do carro. “Quando apenas uma pessoa trabalha na casa, a situação fica apertada. Agora que meu filho começou a trabalhar, espero que as condições melhorem”.


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Ainda temos que ler no jornal do dia anterior: "O prefeito Sidnei Rocha (PSDB) retomou, ontem, um discurso feito por ele próprio há um ano e voltou a chamar o francano de pessimista. O tucano disse que a população deveria ser mais otimista e acreditar no potencial da cidade. “Todos gostam de falar em crise. Quando fecha uma fábrica, é uma festa. Franca não pode e não deveria ser uma cidade pessimista”. O comentário foi feito durante solenidade de liberação de financiamentos a pequenos empreendedores pelo Banco do Povo.No dia 6 de novembro de 2007, Sidnei causou polêmica ao afirmar em seu programa de rádio, o Bom Dia Prefeito, de sua Rádio Hertz, que os francanos têm “doença coletiva ou frustração” por nunca estarem, segundo ele, satisfeitos com a situação da cidade, além de manifestarem “negativismo, insegurança e pessimismo”. Logo após vencer as eleições, com ampla aprovação popular, disse que a campanha que fez para melhorar a auto-estima da cidade havia dado resultados."




Será que Franca, o grande pólo do calçado, uma cidade conhecida devido às grandes fábricas, com uma população composta de mais de 60% de sapateiros, não teme a crise devido justamente a isso? Quando UMA fábrica fecha em Franca, não é UM empresário falido, ou UMA família que deve mudar a localização da indústri. São CENTENAS de trabalhadores desempregados! São MILHARES de famílias sem sustento. Um trabalhador em Franca que já é um dos que recebe menos de toda a região, quando perde esse sustento mínimo viverá de quê?
E Franca é pessismista? Franca seria pessismista ou o prefeito que seria desligado de alguns dos problemas da população?

sábado, 22 de novembro de 2008

Reportagem do Fantástico dia 16/11/2008: Homem se beneficia da Lei Maria da Penha - Lei foi criada apenas para proteger mulheres.

“Basta contar até 15 e pronto: já passaram 15 segundos. Parece ser um lapso de tempo tão insignificante, durante o qual nada acontece, tanto que o período de 24 horas contém 5.760 vezes a fração de 15 segundos. (...) isto é, a cada dia, 5.760 mulheres são espancadas no Brasil" (Maria Berenice Dias, Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões. Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do RS Vice-Presidente Nacional do IBDFAM.)


A discussão sobre a constitucionalidade ou não da lei n.11 340/2006, conhecida como a lei Maria da Penha, é bastante recorrente no meio jurídico. Principalmente nas aulas de direito constitucional quando ouvimos os professores questionarem acerca desse tema. Mas, afinal, de acordo com o art.5º da CF não seríamos todos iguais perante as leis? E a lei Maria da Penha, logo no seu art.1º, não dá realmente preferência à mulher? Diferenciado-a do homem? Privilegiando-a?


Antes de qualquer coisa, é válido tomar alguns dados como base:


- 25% das mulheres são vítimas de violência doméstica;
- 33% da população feminina admite já ter sofrido algum tipo de violência doméstica;
- Em 70% das ocorrências de violência doméstica contra a mulher, o agressor é marido ou companheiro
- Os maridos são responsáveis por mais de 50% dos assassinatos de mulheres e, em 80% dos casos, o assassino alega defesa da honra
- 1,9% do PIB brasileiro é consumido no tratamento de vítimas da violência doméstica;
- 80% das mulheres que residem nas capitais e 63% das que residem no interior reagem às agressões que sofrem;
- 11% das mulheres foram vítimas de violência durante a gravidez e 38% delas receberam socos e pontapés na barriga;
- São registradas por ano 300 mil denúncias de violência doméstica



A lei Maria da Penha foi criada em 2006 e desde então, de acordo com estatísticas da Delegacia de Defesa da Mulher, as denúncias triplicaram. Só no ano de 2006, por exemplo, foram registrados 800 casos de violência doméstica contra a mulher, número que supera a média anual. Institutos que trabalham e atuam em defesa da mulher afirmaram que após a formulação da lei, as mulheres se sentiram mais protegidas para denunciarem, o sentimento de impunidade que antes tinham com a lei n.9.099/95, que tratava da violência doméstica, vem diminuindo. Ou seja, quando a violência doméstica passa a ser tratada de uma maneira menos banal, vemos uma sentença como a do juiz do Mato Grosso do Sul. Precisamos nos lembrar que antes da lei n. 11.340/2006, apenas 2% dos agressores eram condenados! A maioria dos processos era extinta ou a condenação consistia em pagamentos de cestas básicas pelo agressor. A dignidade e integridade da mulher eram mensuradas em quantidade de cestas de alimentos!
Entretanto, a interpretação da lei Maria da penha não pode restringir-se a uma discussão meramente legalista. É preciso combater sentenças como essa do juiz do Mato Grosso do Sul, pois são um retrocesso à luta do movimento feminista brasileiro. Precisamos mais ainda lembrar que a lei Maria da Penha é uma ferramenta importante na luta contra a opressão da mulher, na luta da mulher dentro de uma sociedade extremamente machista e patriarcal. É necessário mais do que nunca nos lembrarmos das milhares de mulheres que sofrem simplesmente por serem mulheres, mulheres que diariamente sofrem agressões físicas e psicológicas dos homens e nada podem fazer, principalmente as mulheres das periferias.
A Constituição deixa claro que somos todos iguais perante a lei, entretanto é no sentido de que as normas devem ser elaboradas e aplicadas indistintamente a todos os indivíduos (isonomia formal). Entretanto, precisamos levar em conta a existência dos grupos ditos minoritários ou hipossuficientes, que necessitam de uma proteção especial para que alcancem a igualdade não apenas normativa, mas baseada em idéias de justiça (isonomia material). Aristóteles já colocava na Antiguidade: a verdadeira igualdade almeja tratar os iguais de maneira igual e os desiguais, desigualmente. Assim, o Estado tem por fim a garantia de concretizar essa isonomia material, seja através de leis específicas ou através de políticas públicas. Assim, a lei Maria da Penha não é inconstitucional, é apenas uma medida do Estado Democrático de Direito de tentar inserir essa minoria à igualdade real.
Sendo assim, precisamos não questionar e parar uma aula de direito constitucional para debatermos a constitucionalidade da lei Maria da Penha, precisamos inicialmente questionar por que as milhares de mulheres são tidas como minorias. Por que num estado democrático as grandes maiorias (pobres, negros) são tidos como minorias? Ainda, como podemos ampliar e melhorar as políticas de defesa às mulheres? Principalmente às mulheres pobres e negras da periferia, que tem menos espaços ainda para denuncias ou para auxílios.
Como afirma uma juíza da vara do trabalho da Bahia: inconstitucional é a não aplicação da lei Maria da Penha!

Larissa Zambelli.
Estudante de direito, Militante da LER-QI, do Movimento a Plenos Pulmões e do Núcleo em Defesa dos Direitos Humanos.